sexta-feira, 30 de abril de 2010

Li este texto há um tempo atrás no blog Aprendendo a Ensinar e salvei nos meus documentos;agora,com o blog,foi o primeiro assunto que pensei em refletir aqui;pedi autorização ao professor José Carlos Antônio ,autor do texto,para postá-lo... autorização concedida,aqui está,para nossa reflexão...

Os filhos bastardos da Progressão Continuada
A triste realidade dos alunos que vivem a exclusão pedagógica

Você certamente já conhece a Progressão Continuada, um sistema de gerenciamento do fluxo de alunos que suprime a reprovação em ciclos anuais ou semestrais e a extende para ciclos maiores, de dois, quatro ou mais anos, dependendo de como é implementada, e onde a reprovação ocorre apenas no último ano do ciclo, quando ocorre.

A Progressão Continuada tem como objetivo corrigir o fluxo escolar reduzindo ou eliminando as reprovações e permitindo a redução da defasagem idade/série dos alunos. Não é um sistema pedagógico e sim um sistema político-econômico que visa reduzir os custos do ensino, principalmente do Ensino Público, e produzir estatísticas mais palatáveis diante dos organismos internacionais e da população em geral.

Do ponto de vista econômico, a Progressão Continuada é uma solução de engenharia de produção que impede a formação de gargalos de produtividade (reprovações), reduz a mão de obra necessária (quantidade de professores), reduz a necessidade de investimentos (não necessitando muito investimento em novas escolas) e permite que a linha de produção (ensino) flua despejando no mercado o seu produto principal em gande quantidade: o aluno formado.

Mas do ponto de vista pedagógico, o que é a Progressão Continuada?

Seus defensores foram sempre muito incisivos ao apontarem as altíssimas taxas de reprovação dos sistemas anteriores à Progressão Continuada como um absurdo que gerava as distorções idade/série, causavam uma grande evasão escolar, desestruturavam o sistema de ensino exigindo um número muito grande de professores e escolas e, acima de tudo, geravam grandes traumas nos alunos reprovados, além de não contribuirem em nada com a aprendizagem destes. E eles estavam certos!

Argumentavam, e ainda argumentam, os defensores da Progressão Continuada, que esta permite ao professor acompanhar melhor o desenvolvimento dos seus alunos durante um período de tempo maior (o tempo do ciclo escolhido para o modelo de Progressão Continuada implantado, e que varia de estado para estado, de governo para governo ou mesmo de escola para escola). E este é um excelente argumento!

Dizem ainda que a convivência em um mesmo ambiente de alunos mais adiantados e outros mais atrasados é propícia ao desenvolvimento desses últimos e que, naturalmente, cada aluno tem seu próprio ritmo de aprendizagem, tem diferentes habilidades, gostos e histórias de vida, e que essa diversidade é um fator de enriquecimento do processo de ensino que a Progressão Continuada permite explorar melhor. E, mais uma vez, estão certos!

Mas o que isso tem a ver com a pedagogia?

A resposta é muito simples: nada!

Pedagogia, segundo o dicionário Aulete, é a ciência e conjunto de teorias, princípios e métodos da educação e do ensino. Um pedagogo, ou um professor de forma mais geral, é aquele que conhece e sabe aplicar com eficiência esse conjunto de teorias, princípios e métodos de forma a facilitar a aprendizagem dos seus alunos.

A Progressão Continuada, embora se justifique de várias formas como um sistema político, econômico e social (por permitir uma maior inclusão social de alunos que antes eram excluídos do sistema devido às seguidas reprovações), não propõe nenhuma nova teoria pedagógica, princípio instrucional ou método de ensino que facilite a aprendizagem do aluno, mas, pelo contrário, tem se mostrado como um sistema que dificulta ainda mais essa aprendizagem. Haja visto os resultados medíocres que se obtêm onde esse sistema foi implantado.

Olhando para a frieza dos números e comparando sistemas seriados e sistemas onde a Progressão Continuada implantou ciclos, não vemos nenhuma melhora nos índices de aprendizagem que possa apontar a Progressão Continuada como um avanço.

Se, por um lado, corrigimos o fluxo, diminuímos a evasão e melhoramos bastante a relação idade/série, por outro isso não significa que os alunos estejam aprendendo mais e evoluindo intelectualmente, mas tão somente que passamos a ter classes multisseriadas, como têm as escolas de regiões rurais onde um único professor trabalha com alunos de diferentes séries em um mesmo ambiente físico.

É possível trabalhar com classes multisseriadas e obter bons resultados? Sim, claro! Mas isso é possível se estivermos lidando com classes pequenas, professores especializados nesse tipo de ensino, materiais diversificados para os alunos e um tempo de convívio muito grande entre o professor e o aluno, o que é mais comum nas séries iniciais, mas é pouco frequente nas séries finais do Ensino Fundamental e absolutamente inexistente nas séries do Ensino Médio.

Do ponto de vista pedagógico, trabalhar com uma turma multisseriada e numerosa, não dispondo de materiais diversificados e estando acorrentado a um currículo que continua seriado, tem como resultado uma triste e nova forma de exclusão que verificamos atualmente em quase todas as classes: a exclusão pedagógica.

Aquele aluno que antes encontrava grandes dificuldades e era abandonado pelo sistema, reprovado e excluído da escola, agora continua enfrentando as mesmas dificuldades, continua abandonado pelo sistema e ao invés de ser excluído da escola está excluído da aprendizagem. Esse aluno passa o tempo na escola junto com os colegas, compartilha as brincadeiras e geralmente é até mais ativo e indisciplinado do que os demais, mas o direito de aprendizagem dele que a Progressão Continuada pretendia garantir continua não sendo respeitado. Ele está na escola, mas não aprende nada.

E não é culpa do aluno não aprender, como bem sabemos! Ocorre que em uma sala onde o professor está ensinando divisão, a possibilidade de que um aluno que não sabe multiplicar consiga aprender a dividir é tão pequena quanto a possibilidade que ele teria de aprender sozinho se não estivesse presente ali.

Embora muitos psicopedagogos tenham na ponta da língua o argumento de que os alunos reprovados ficam "traumatizados", e eu não discordo disso, não vemos nenhum psicopedagogo falando nada sobre os traumas causados a um aluno obrigado a conviver com outros que aparentemente são "muito mais inteligentes do que ele", tendo que fazer as mesmas tarefas e avaliações que os demais, mesmo não tendo capacidade para tal. Pelo menos a mim não parece que esse aluno se sinta bem sendo considerado "burro" por seus colegas e sentindo-se incapaz de aprender no ritmo deles.

Evidentemente não faltará quem diga que esse aluno deve receber uma atenção especial, que deve participar de programas de complementação (recuperação paralela, por exemplo), que deve ter suas dificuldades mapeadas e resolvidas a partir de atividades diferenciadas, etc., mas o que falta é gente para fazer tudo isso que se sabe ser necessário. O professor, que muitas vezes é apontado como o "culpado" pela exclusão pedagógica desse aluno, pode pouco fazer por ele se não tiver tempo para estudar detalhadamente as suas dificuldades, se não dispor de recursos e materiais específicos para as necessidades daquele aluno, se tiver que repartir sua atenção com mais trinta e poucos alunos dos quais pelo menos metade se encontra em situação de defasagem de aprendizagem como esse aluno, mas não exatamente "iguais a desse aluno".

Nessas circunstâncias seria preciso ter um professor para cada grupo pequeno de alunos cujo nível de aprendizagem é compatível entre si, e não seria nada recomendável que esse grupo compartilhasse das mesmas atividades de outros grupos mais avançados ou mais atrasados. A boa pedagogia recomenda que se siga o desenvolvimento natural dos alunos, como propôem os defensores da Progressão Continuada, mas não diz que isso possa ser feito justamente desrespeitando-se esse ritmo e submetendo-se esse aluno a atividades incompatíveis com o seu nível de desenvolvimento cognitivo.

A grande verdade é que todas as causas que levaram a adoção da política de Progressão Continuada (repetência, evasão, exclusão e baixa aprendizagem) continuam presentes na escola onde a Progressão Continuada está implantada, a única diferença é que agora essa exlusão está mascarada pela presença de classes multisseriadas onde apenas os alunos com capacidade cognitiva compatível com as atividades curriculares em desenvolvimento conseguem progredir, enquanto os demais se vêem e se reconhecem como excluídos desse processo, desse convívio com a aprendizagem e mesmo de seus colegas, que lhe parecem nitidamente "diferentes" e "superiores". E se isso não afetar a auto-estima desse aluno, então não sei qual é o significado de "auto-estima" empregado quando se defende a Progressão Continuada em nome da elevação dessa auto-estima.

O notável desinteresse de muitos alunos, e mesmo as dificuldades relativas à disciplina desses alunos, estão intimamente ligadas ao fato deles não estarem aprendendo como os colegas. É notório que um aluno que não consegue compreender os conceitos que estão sendo apresentados a ele, que não consegue fazer as atividades propostas para todos e que é visto como "diferente" pelos colegas e pelos professores, vá naturalmente se comportar com desinteresse e rebeldia.

Por outro lado, muitos professores ainda hoje acreditam que o ensino seriado com alta repetência é um fator favorável à qualidade da aprendizagem, mas isso é outra grande bobagem porque os alunos que reprovam e que abandonam a escola também não aprenderam! Não basta dizer que os aprovados aprendiam bastante no sistema seriado, isso todos sabemos que também é verdade, mas é preciso dizer também que éramos capazes de ensinar bem apenas a alguns alunos e não a todos. E isso não mudou em nada com a adoção da Progressão Continuada. Continuamos ensinando pouco para poucos e excluindo um grande número de alunos, retirando deles o direito à aprendizagem.

O que fazer então? Se a reprovação é um sinônimo evidente da má qualidade do ensino, e se a Progressão continuada não melhorou essa qualidade, como melhorá-la?

Evidentemente a resposta é complexa, custa caro e envolve muito trabalho, e esses são três fatores que espantam rapidamente todos os responsáveis diretos pela Educação: governos, secretarias de educação e educadores! Embora as soluções sejam do conhecimento de todos, parece que ninguém quer implementá-las porque elas não são mágicas e dependem de todos os envolvidos.

É realmente uma pena que os governos culpem os professores, que os professores culpem os alunos e que os alunos nem tenham consciência de que existam culpados. Mas o fato é que ninguém agora quer assumir a paternidade dos milhares de filhos bastardos da Progressão Continuada que foram despejados das escolas semi-alfabetizados e que estão destinados a serem mão-de-obra barata e desqualificada pelo resto de suas vidas.

Também é penoso reconhecer que a Escola, como instituição que engloba professores, administradores e governos, embora seja o ambiente mais intelectualizado que se pode encontrar em uma empresa, onde todos são diplomados e supostamente inteligentes, continue sendo uma instituição burra onde a inteligência parece ter sido reprovada e expulsa. E o mais triste é que nós todos fazemos parte disso.

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